Integração da pesquisa à prática: uma questão de orgulho ou preconceito?/Integrating research into practice: is it a matter of pride or prejudice?

Autores

  • Clarice Ribeiro Soares Araújo
  • Débora Ribeiro da Silva Campos Folha
  • Jane A. Davis
  • Tatiana Barcelos Pontes

DOI:

https://doi.org/10.4322/10.4322/2526-8910.ctoED2602

Resumo

É uma verdade universalmente reconhecida que a pesquisa clínica em terapia ocupacional vem crescendo em todo o mundo. O desenvolvimento de pesquisas deste tipo mostra-se essencial para os terapeutas ocupacionais, pois guia o raciocínio clínico e a tomada de decisões (HACKETT et al., 2014). Atualmente, podemos submeter nossos artigos para revistas especializadas em terapia  ocupacional e áreas afins de maneira a divulgar nossos estudos em diferentes contextos, ou podemos acessar periódicos de todo o mundo e descobrir, por exemplo, o melhor tratamento disponível para facilitar o retorno ao trabalho de clientes que sofreram um Acidente Vascular Encefálico (AVE) ou a maneira mais eficiente para desenvolver as habilidades sociais de uma criança com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Apesar da crescente e progressiva divulgação da Prática Baseada em Evidências (PBE), o uso de pesquisas para fornecer suporte clínico, a partir da internacionalização do conhecimento, em nosso campo, ainda representa um desafio.

Terapeutas ocupacionais, em suas pesquisas, têm abordado a necessidade de conscientização sobre problemas potenciais que podem representar barreiras à implementação da PBE, no intuito de integrar a pesquisa à prática em terapia ocupacional (THOMAS; LAW, 2017). A existência de tempo e espaço para implementar a educação permanente em nossos ambientes de trabalho caracterizaria as condições ideais para o desenvolvimento de práticas nessa perspectiva, o que poderia envolver a coleta e discussão das melhores práticas (best practice) disponíveis para aprimorar a prestação de serviços às nossas populações-alvo. 

A questão é que estamos frequentemente engajados em contextos multitarefas que produzem uma sobrecarga de trabalho e impedem que disponhamos dessas condições ideias. Além disso, no Brasil, temos outro desafio: a barreira do idioma. Mesmo com o aumento da produção científica brasileira, uma parte da literatura produzida é publicada em periódicos internacionais, nos quais o idioma oficial é o inglês (DAVIS; MALFITANO, 2017).

A qualidade das evidências especificamente relacionadas às estratégias de intervenção é de extrema relevância, ao considerarmos que tais evidências são subsídio para a tomada de decisões clínicas. É possível que os profissionais de saúde, em geral, e terapeutas ocupacionais, em particular, tenham dificuldades em combinar essas fontes com a experiência clínica, resultando, por vezes, em uma prática clínica carente de evidências e com resultados e efetividade questionáveis ou não mensuráveis (THOMAS; LAW, 2017).

A ideia de níveis de evidências foi desenvolvida justamente para profissionais com múltiplas demandas, assim como pesquisadores e usuários dos serviços, como uma forma de facilitar a PBE, considerando as dificuldades mencionadas (HOWICK et al., 2011). Meta-análises e revisões sistemáticas têm sido consideradas a melhor maneira de se informar e de atualizar as evidências científicas, no entanto, podemos sempre confiar nelas?

O recente editorial do Canadian Journal of Occupational Therapy (Volume 85, edição 3, junho de 2018) escrito por Farragher et al. (2018) intitulado “Not all systematic reviews are created equal” nos levou a essa questão. As autoras argumentam que mesmo revisões sistemáticas estão sujeitas a vieses. Desta forma, ao selecionamos tais estudos para apoiar a PBE, devemos ser capazes de distinguir revisões de alta qualidade (SHEA et al., 2017; FARRAGHER et al., 2018). Farragher et al. (2018) usaram a ferramenta de avaliação de revisões sistemáticas: “A MeaSurement Tool to Assess Systematic Reviews 2”  (SHEA et al., 2017), criada para auxiliar pesquisadores e profissionais a avaliar a qualidade de revisões sistemáticas que incluíssem ensaios controlados randomizados e não randomizados.

Com base nesse protocolo, Farragher et al. (2018) avaliaram o conteúdo de quatro estudos de revisão sistemática (BODISON; PARHAM, 2018; MILLER‑KUHANECK; WATLING, 2018; PFEIFFER; CLARK; ARBESMAN, 2018; SCHAAF et al., 2018). Tais revisões sistemáticas resumem diferentes tipos de estratégias de intervenção junto a crianças e jovens com problemas/desordens  de processamento sensorial. O que podemos apreender, a partir de sua avaliação crítica, é que devemos estar cientes do que lemos e de como interpretamos os resultados considerados como fortes evidências. Parece que mesmo a “melhor evidência disponível” - revisões sistemáticas e meta-análises - nem sempre é suficiente para produzir conclusões sobre estratégias efetivas de tratamento que poderiam ser integradas à prática. Em alguns casos, ao avaliar a qualidade das revisões sistemáticas, pode-se concluir que há, de fato, informações insuficientes para afirmar que uma estratégia de tratamento foi útil, ou mesmo que a evidência fornecida é fraca.

Nós temos, entretanto, estudos robustos que nos fornecem informações confiáveis sobre a melhor opção de tratamento para orientar nossas práticas. A maioria deles aponta para abordagens baseadas na ocupação (SMITS-ENGELSMAN et al., 2018; PARK; MAITRA; MARTINEZ, 2015). Nos últimos anos, terapeutas ocupacionais brasileiros têm também contribuído para o âmbito da investigação clínica sobre a eficácia da terapia ocupacional no âmbito das atividades e da participação (ARAÚJO; CARDOSO; MAGALHAES, 2017; BRANDÃO et al., 2018). Além disso, podemos ter acesso a revisões sistemáticas meta-análises de alta qualidade no que se refere às abordagens centradas no cliente, orientadas às tarefas e baseadas em ocupação dentro de nosso campo e áreas afins, que fornecem suporte à PBE e servem como guias para a implementação de práticas baseadas em fortes evidências científicas. Mas nós as estamos lendo e utilizando como subsídio teórico e metodológico para nossas práticas? 

Conclusão

Ao implementar a PBE e integrar referências e abordagens importadas em nossas práticas, devemos ser capazes de entender e avaliar os requisitos mínimos em relação ao rigor metodológico para considerar uma revisão sistemática como uma fonte potencial das melhores evidências disponíveis. Como terapeutas ocupacionais e pesquisadores, sabemos que nos deparamos com muitos desafios, não apenas para implementar as melhores práticas possíveis (best practice), mas também para produzir pesquisas clínicas com qualidade suficiente para apoiar estas práticas. No entanto, precisamos perceber que nem sempre as melhores escolhas vem apenas do exterior: Pergunte a si mesmo o quanto temos orgulho do nosso crescimento em pesquisa científica e vivenciamos preconceitos ao integrar abordagens baseadas em ocupação, que representam fortes evidências para nossas práticas?

Publicado

2018-06-28

Como Citar

Araújo, C. R. S., Folha, D. R. da S. C., Davis, J. A., & Pontes, T. B. (2018). Integração da pesquisa à prática: uma questão de orgulho ou preconceito?/Integrating research into practice: is it a matter of pride or prejudice?. Cadernos Brasileiros De Terapia Ocupacional, 26(2). https://doi.org/10.4322/10.4322/2526-8910.ctoED2602

Edição

Seção

Editorial